Falta identificar recursos para subsídios à política industrial

A Nova Indústria Brasil (NIB), como foi batizada a política industrial do terceiro governo Lula, tem méritos e muitos defeitos. Acerta a grosso modo os alvos que devem ser atingidos para modernizar o país – melhorar a produtividade; deslanchar a inovação, garantir a sustentabilidade ambiental de todo o processo e ampliar as exportações –, mas aumenta tanto o raio das ações que o foco parece perdido, e os meios para se chegar aos objetivos, difíceis de discernir. Sua filosofia, ainda que busque a modernidade, tem cara do retrocesso. Por último, e não menos importante, não há recursos para executar o programa. Ele não para em pé sem subsídios, em um orçamento que tem o objetivo de zerar o déficit. Essa meta torna-se ainda mais incongruente depois do anúncio da NIB.

 

O estabelecimento de missões é um avanço, ao romper a divisão burocrática de ministérios, secretarias, autarquias etc., e ao encarrega-los da execução dos desdobramentos necessários de políticas prioritárias, antes confinadas a uma pasta ou algumas comissões. Isso, porém, exige um esforço de coordenação enorme e uma eficiência da burocracia estatal brasileira que ela não tem. Lotada de cargos de confiança indicados politicamente e mutável a cada governo, a gestão estatal é, em geral, péssima.

 

Os governos petistas gostam de amplificar suas ações, que se tornam grandiosas e inexequíveis. A primeira fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 1) concluiu 9,3% das 16.500 ações propostas entre 2007 e 2010. O PAC 2 herdou 60% dessas ações, inconcluídas. Sem obras de saneamento, pelo levantamento da consultoria Inter.b, o PAC 1 cumpriu 25,4% do que prometeu, e o PAC 2, 36%. Estamos no PAC 3, com promessa de R$ 1,7 trilhão de investimentos.

 

A nova política industrial muda a chave do Estado “indutor” para o Estado “condutor” das mudanças econômicas modernizantes. O DNA desenvolvimentista do governo é inadequado para isso. Ainda que não seja de fato uma repetição da desastrosa política de campeões nacionais das gestões Lula-Dilma, os instrumentos mais importantes do programa são. As margens de preferência nas compras governamentais são maiores quando envolvem conteúdo tecnológico – 20% de vantagem a favor de empresas nacionais, ante 10% nas demais. Sem qualificações maiores, é a defesa de tecnologia empregada por uma empresa nacional sobre outra de uma empresa estrangeira, sem juízo de valor ou adequação, apenas de preço, típico de reservas de mercado.

 

Uma das palavras que melhor resumem a nova política é conteúdo local, condição essencial para o usufruto dos financiamentos e licitações de compras do governo disponíveis. Como se trata de aproximar o país da fronteira tecnológica industrial global, a exigência é um enigma. Uma suposição, com base em experiências passadas, é de que se vai subsidiar a invenção da roda, como a ditadura fez com a indústria de informática, condenando o Brasil a um atraso de décadas. Ou mais recentemente, as exigências para indústria petrolífera, que empilharam custos mais altos e corrupção em uma experiência fracassada.

 

A nova política industrial combina com o perfil de um dos países mais fechados do mundo e pretende-se autóctone. Há a consciência de que é necessário ampliar as exportações, mas a palavra importação inexiste no programa. Importações mais baratas, especialmente em máquinas e equipamentos, são insumos vitais para manufaturas de exportação competitivas e para a irradiação do aprimoramento tecnológico por todo o parque industrial. A proteção tarifária da indústria automobilística local, agora estendida aos carros elétricos, parece ilustrar bem o conteúdo que se quer privilegiar, uma ação que só conduz ao atraso, como a experiência brasileira demonstra.

 

O governo aplicará R$ 300 bilhões até 2026 na nova política industrial, R$ 194 bilhões a mais que o previsto em meados de 2023. “O problema era dinheiro”, disse no lançamento do programa o presidente Lula, sugerindo que de repente não é mais. Aloízio Mercadante, presidente do BNDES, foi além e disse que R$ 300 bilhões eram apenas o “piso” do que se almeja financiar. Mas há falta de recursos, tanto que o governo tem se virado para arrumar formas de aumentar a arrecadação. As fontes de financiamento não estão explicitadas.

 

O vice-presidente Geraldo Alckmin disse que R$ 66 bilhões serão financiados pela TR mais 2% (TR de 12 meses é de 1,64% em janeiro). Em um jabuti de MP prorrogando o Pronampe, em maio, o uso de recursos do Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia (FNDCT) foi vinculado à TR. No orçamento de 2024, a dotação do fundo é de apenas R$ 12 bilhões. Em dezembro, o Executivo enviou ao Congresso o PL. 6235, ampliando o funding do BNDES. Além da TLP, formada pela NTN-B de cinco anos mais IPCA (hoje de 5,6% mais inflação), haverá taxas prefixadas de 3 anos e de 5 anos. Mas a lei muda a TLP, e a média de juros para todas as taxas passa de trimestral a anual. A TR hoje é inferior à inflação e o crédito a ela indexado terá juro negativo.

 

Fonte: Jornal Valor Econômico

Foto: Reprodução

Posso ajudar?