A questão da tarifa de Itaipu  | Opinião 

A dificuldade que Brasil e Paraguai vêm tendo para definir a tarifa da oferta de Itaipu decorre do conflito de interesses destes países, enquanto sócios nesse empreendimento binacional. Questões fundamentais, até agora latentes, tornaram-se candentes a partir do bloqueio das contas da Itaipu Binacional pelo Paraguai. 


O Brasil vê Itaipu como uma importante fonte renovável de energia elétrica, cuja implantação exigiu notável esforço financeiro e político. Percebe que a forte redução dos encargos da Itaipu Binacional, devida conclusão do pagamento da sua dívida, enseja a cobrança de uma tarifa substancialmente menor do que aquela que vinha sendo praticada até o início da presente década e mesmo da atual.


Reduziria assim a média dos custos arcados pelos consumidores do mercado regulado das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul do país. O Paraguai, por utilizar apenas uma pequena parte da geração de Itaipu, prioriza os royalties que a geradora paga a ambos os países e o prêmio de cessão ao Brasil do excedente de sua cota, ou seja, a metade da geração da usina. 


Mais recentemente assumiram relevância, motivando boa parte das atuais divergências, as despesas em obras e programas sociais, não relacionadas à operação da usina, que a empresa realiza no Paraguai e, paritariamente, no Brasil (Paraná e parte de Mato Grosso do Sul). 


Essas despesas não operacionais,incorporadas ao Custo de Exploração do Serviço de Energia (Cuse), são realizadas há mais de uma década, graças à alteração do estatuto da Itaipu Binacional. Esta ampliou o escopo da Itaipu, visando o desenvolvimento socioeconômico da área da usina. Inicialmente, tais despesas eram relativamente pequenas frente ao vulto dos encargos financeiros,que constituíam cerca de 60% dos custos totais. 


Com a recente conclusão do pagamento da dívida, esses encargos perderam importância e o Paraguai deseja manter as tarifas em nível semelhante ao dos anos anteriores para poder aumentar essas despesas não operacionais, em vez de reduzir as tarifas em benefício da modicidade tarifária de ambos os países. Normalmente, a tarifa de Itaipu não constitui objeto de negociação. 


Conforme o Anexo C do Tratado do Brasil com o Paraguai, que rege a Itaipu Binacional, essa tarifa é calculada anualmente de modo a ser a necessária e suficiente para cobrir todos os custos da empresa, cuja natureza é definida no referido anexo. Assim, o que se negocia atualmente o valor das despesas não operacionais, que, por exemplo, tanto podem ser destinadas à construção de escolas dos dois lados da fronteira quanto de uma ponte unindo os dois países, sobre o rio Paraná. 


A tarifa provisória de Itaipu, definida em dezembro de 2023, é de US$ 16,71/kW/mês. Para o Brasil, com o pagamento do prêmio de cessão da energia não absorvida pelo Paraguai, aumenta para US$ 17,66/kW/ mês ou R$ 205/MWh, conforme noticia a Itaipu Binacional. 


A comparação desse valor com os preços pagos pelas distribuidoras brasileiras a outros geradores é imprópria, pois trata-se de energia de uma usina cujo investimento foi amortizado. Com efeito, considerando os custos previstos no Anexo C, após o término dos pagamentos da dívida da empresa com o governo brasileiro, a tarifa seria de US$ 8/kW.mês a US$ 10/kW/ mês, conforme indica a Frente Nacional dos Consumidores de Energia. 


Estima-se então que a tarifa atual contemple despesas não operacionais superiores a US$ 1 bilhão. No entanto,o Paraguai deseja um aumento significativo, para cerca de US$ 22/kW/mês, o que ensejaria ainda maiores despesas não operacionais, metade das quais seriam naturalmente dirigidas a seu território, conforme o princípio de paridade que rege a atuação da Itaipu Binacional. 


Antes de discutir a legitimidade de obter os recursos destinados a essas despesas não operacionais por via tarifária, observa-se que o Brasil absorve cerca de 75%da cota paraguaia de Itaipu. Portanto, perto de 75%dessas despesas destinadas a obras e atividades no Paraguai são arcadas por consumidores brasileiros, que também pagam a totalidade daquelas realizadas no Brasil. 


Não se trata aqui do mérito dessas despesas e de sua prioridade para as regiões às quais se destinam. Porém ressalta-se que em nada contribuem para beneficiar os consumidores de energia, brasileiros e paraguaios, aos quais são cobradas. No Brasil, são consumidores cativos atendidos por empresas distribuidoras que compram compulsoriamente a energia de Itaipu, afetando assim suas tarifas. Configura-se assim como um tributo, destinado ao desenvolvimento regional brasileiro e paraguaio, que se superpõe aos royalties e aos impostos federais e estaduais legalmente cobrados a esses consumidores. 


As despesas não operacionais de Itaipu prejudicam a modicidade tarifária, priorizada pelo governo. Futuramente, senão proximamente, afetarão a competitividade da oferta de Itaipu quando esta tiver de ser destinada ao mercado livre brasileiro, o que deverá ocorrer assim que a migração dos consumidores atendidos em baixa tensão para o mercado livre inviabilizar a compra compulsória da energia de Itaipu pelas atuais distribuidoras, cuja atuação como comercializadoras será fortemente reduzida. 


A competitividade da oferta de Itaipu passará a ser um fator indispensável à colocação da sua totalidade no mercado e assim preservar o montante de royalties e compra de excedentes da cota paraguaia pelo Brasil. Havendo redução do preço da energia de Itaipu, o Paraguai poderá procurar compensar a redução de despesas não operacionais mediante aumento do prêmio. 


Fonte: Jornal Valor Econômico

Foto: Reprodução 


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