Cade tende a liberar Petrobras da venda de refinarias

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tende a aceitar o pedido da Petrobras e liberar a estatal da obrigação de vender refinarias e ativos restantes no mercado de distribuição e transporte de gás natural, segundo apurou o Valor com fontes que participam das negociações. 


As vendas estão previstas nos acordos firmados em 2019 que visam reduzir a participação da empresa nos dois setores. O Cade deve impor “remédios comportamentais”, que são restrições mais leves do que a venda de ativos. O caso pode ser levado para deliberação do tribunal no fim de março. 


No fim de 2023, a atual gestão da Petrobras pediu uma revisão dos dois Termos de Compromisso de Cessação (TCC) fechados no primeiro ano da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A estatal se comprometeu a vender oito refinarias para abrir o mercado de refino e três redes de gasodutos. 


Os desinvestimentos faziam parte de um amplo programa de governo que previa a desestatização da empresa. Desde então, após sucessivos pedidos de adiamento com a alegação de não encontrar interessados nos ativos, a Petrobras vendeu quatro refinarias e dois gasodutos. Crítico dessa operação desde a época em que era senador, o atual presidente da estatal, Jean Paul Prates, que tem participado das negociações com o Cade, pediu a revisão no fim do último ano. 


Segundo o Valor apurou, a tendência no Cade é que essa medida estrutural de desinvestimento seja substituída, sem grandes divergências, por remédios comportamentais, que envolveriam, por exemplo, não discriminação de concorrentes, garantia de formação de preços de mercado e outras. Ainda está sendo discutido adotar medidas de governança que garantam a atuação de forma independente no caso de a terceira unidade de gás não ser vendida. 


A negociação sobre o gás está mais adiantada que as refinarias, mas a ideia é os dois casos serem analisados de forma conjunta para homologação pelos conselheiros. Essa é a dinâmica geral dos TCCs — são negociados pela Superintendência-Geral e homologados pelo tribunal. Setores do governo também avaliam que, com a maioria do tribunal recém-indicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a tendência é que o caminho para a Petrobras seja mais fácil — quatro conselheiros tomaram posse no início deste ano. 


A depender dos termos da revisão, segundo especialistas, pode haver insegurança jurídica no setor. Ainda não há uma proposta fechada. Fontes do processo de negociação disseram que os contatos com o Cade têm sido muito dinâmicos, com muitas “idas e vindas”, com o recebimento de propostas da própria estatal. Mas os diálogos estão avançados. 


No limite, a Petrobras ainda poderia ser multada se o conselho entender que ela descumpriu os acordos, o que não está na mesa no momento. Ao Valor, Pedro Rodrigues, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), afirmou que a desobrigação pode causar insegurança jurídica, tanto em relação aos compradores das quatro refinarias vendidas quanto possíveis “players” que queiram entrar no Brasil. “Faltou ‘enforcement’ do Cade no cumprimento dos acordos firmados. Assim, houve insegurança para investidores que poderiam se interessar pelos ativos”, avaliou. 


“A mudança de direção da política da Petrobras é legítima, o questionável é um órgão de estado como o Cade modificar acordo que trazia segurança tanto para agentes que já investiram quanto para futuros investidores”, disse. Os TCCs foram firmados para encerrar uma investigação aberta pelo Cade em 2018 sobre a atuação da empresa nesses mercados. No refino, órgãos de defesa da concorrência recebeu uma denúncia da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom),que alegou que a Petrobras estaria praticando preços abaixo da paridade internacional, o que teria afetado expectativas e a continuidade dos investimentos realizados pelos importadores a partir das sinalizações anteriores da empresa. 


Já em relação ao mercado, suspendeu três processos diferentes instaurados no órgão contra a Petrobras por abuso de monopólio. Ao propor vender os ativos, existe avaliação no órgão de que a empresa fez na época uma oferta “irrecusável” ao Cade, que era se desfazer de posição dominante. Isso, consequentemente, encerrava eventual ilícito praticado. 


À época, no início das negociações, a venda dos ativos não foi uma imposição do Cade, pois poderiam ter sido adotadas medidas alternativas, como os remédios comportamentais que agora estão em discussão, segundo fontes. Eles alegam que desde o início o acordo poderia ser revisto a depender da série de fatores, entre eles a alteração de estratégia. 


Ainda há interpretações entre integrantes do órgão no sentido de que a recente mudança na política de preços, que alterou o modelo do PPI, poderia justificar a obrigação da venda das refinarias. 


Sergio Araujo, presidente da Abicom, avalia que o Cade deve firmar remédios alternativos robustos caso aceite o pedido da Petrobras.


“Com a revisão do acordo, quem investir em refino vai competir com o dominante (Petrobras) que pode ter uma política de precificação não aderente ao mercado”, criticou. A Petrobras, procurada, não se manifestou até o fechamento.


Fonte: Jornal Valor Econômico

Foto: Reprodução 


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