O programa Eco Invest Brasil, anunciado ontem pelo governo, visa incentivar a entrada de capital estrangeiro no país para investimentos de transição energética. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) entrará com US$ 5,4 bilhões (cerca de R$ 27 bilhões).
Analistas avaliam que isso pode destravar investimentos, já que fazer proteção cambial de longo prazo tem sido desafiador não só no Brasil, mas em outras economias emergentes, que não têm grau de investimento das agências de classificação de risco, o que afasta estrangeiros.
Na prática, sem mecanismos de proteção cambial financeiramente acessíveis, há o risco de descasamento entre investimento (em moeda forte) e receita (em moeda local) em projetos de prazos mais longos, que é o caso da maior parte dos investimentos verdes. Nesse cenário, alguns desses projetos ficam inclusive inviabilizados, dizem os especialistas. No atual contexto global, com necessidade de aumento do financiamento climático para transição energética, a discussão sobre o hedge (proteção) cambial vem ganhando importância, porque além de ampliar o fluxo de recursos, pode baratear os custos do financiamento.
“Há a volatilidade natural do câmbio, mas, pelo fato de o Brasil não ter grau de investimento, é necessária uma engenharia financeira, com um parceiro internacional como o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que é “AAA” (nota máxima de crédito dada pelas agências de classificação de risco) para poder emprestar aqui dentro com custo internacional”, explica Emerson Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da FGV EESP.
Ele lembra que bancos privados têm limites para emprestar a países que não são grau de investimento. Na prática, afirma Marçal, dentro do Eco Invest Brasil, anunciado ontem, o BID faz o papel de captar recursos, assumindo parte do risco cambial. Para ele, o lançamento da plataforma pelo governo, que permitirá acesso a proteção cambial a um custo mais baixo, vai facilitar o andamento de projetos que antes nem eram viáveis financeiramente.
CÂMBIO É GARGALO
O advogado Thiago Vallandro Flores, especialista em Operações Financeiras e sócio do escritório Dias Carneiro Advogados, avalia que o programa de proteção cambial anunciado ontem pelo governo tem potencial para ampliar o interesse dos investidores pelo país.
Flores observa que a questão cambial é um dos principais gargalos apontados por investidores e financiadores para que esse fluxo de recursos seja ampliado. “O investimento é realizado em moeda forte, principalmente dólar, mas a receita do projeto é em reais. São prazos de dez, 20 anos, ou até mais.
Caso aconteça uma desvalorização cambial, há impacto no fluxo de caixa, que pode até inviabilizar o pagamento do financiamento, trazendo o risco de o projeto não ficar em pé”, explica o advogado, que atua com projetos de energia eólica e solar.
Flores diz que a maioria dos projetos do segmento é baseada na modalidade credit finance, em que a receita do projeto é usada para pagar o financiamento. Ele diz que a participação do BID, com o Banco Central brasileiro fazendo o “meio de campo” ao aportar recursos para o hedge, além de sua capacidade técnica, tende a tornar o custo desse hedge mais interessante.
Ele lembra que o risco da operação ficará com a instituição financeira, que terá de negociar as condições do financiamento com os tomadores.
“Atualmente já existe hedge para projetos de menor prazo, mas essa proteção tem um custo muito elevado e acaba inviabilizando o projeto. Ao tomar recursos via BID, que deverá repassar os recursos do Banco Central, o custo fica mais atrativo, além de aumentar o retorno do projeto. Por isso, vejo com bons olhos esse programa”, afirma o advogado, que, por enquanto, não consegue estimar quando o custo de proteção cambial poderia cair nesse novo cenário.
Flores observa, no entanto, que nem todo projeto de infraestrutura deverá ser beneficiado por esse programa, que usa critérios de elegibilidade do Fundo Clima, instrumento de política pública do Ministério do Meio Ambiente para financiamentos do BNDES voltados para a transição energética. Ele diz que investimentos que visem apenas a infraestrutura (sem viés verde) tendem a ficar de fora.
“Vamos ver a regulamentação para saber as linhas que BID e BC vão intermediar via Fundo Clima, por enquanto. Mas não seria todo projeto beneficiado, como por exemplo, um investimento em infraestrutura comum, que não tenha componente importante de transição energética”, diz o advogado.
‘VISÃO DE LONGO PRAZO’
Pelos critérios do Fundo Clima, os projetos precisam ter como objetivo diminuir os impactos sobre as mudanças climáticas. Até mesmo pessoas físicas que queiram investir em energia sustentável podem cadastrar projetos para obter financiamento de até R$ 10 milhões no Fundo Clima. Para Alexandre Pierantoni, diretor de finanças corporativas da Kroll no Brasil, o programa ajudará a eliminar o efeito da variação cambial, tornando os projetos verdes no Brasil mais atraentes, competitivos e com menor risco, equivalentes ao padrão internacional.
“O programa coloca a visão de longo prazo nesses projetos. E o Brasil tem uma vantagem competitiva quando se trata de projetos de transição energética, com boa rentabilidade. Por isso, a tendência é atrair mais investidores”.
Fonte: O Globo
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